20 fevereiro, 2009



Série Movimentos Messiânicos no Semi-Árido Nordestino






O Movimento de Belo Monte ou de Canudos

Em 25 de novembro de 1896 os telégrafos anunciavam para todo o Brasil eu um grupo de fanáticos religiosos e monarquistas, comandados por um certo Antonio Conselheiro havia desbaratado uma força militar no interior da Bahia. O Brasil que ainda contava com uma república frágil ficou em polvorosa. Era preciso defender o regime. Diversas expedições militares foram enviadas ee sucessivamente derrotadas. Os jornais da época, a Igreja, e as classe dominantes exigiam medidas mais drásticas. Eram apenas fanáticos religiosos? Seria uma tentativa de restauração da monarquia? Por que o exercito brasileiro não conseguia vencer um exercito de jagunços? Quem dava armamento para os rebelados? Indagações, conspirações, tudo isso passava na mente a respeito daquele movimento que seria definitivamente derrotado dez meses depois ficando talvez como o maior massacre da história do Brasil.


A figura de Conselheiro era bem conhecida no semi-arido nordestino bem antes de sua instalação em Canudos.A partir de 1867 ou 1868, quando partiu do Ceará em direção a Bahia, atravessando vários estados, sua fama de Beato e Conselheiro já era divulgada naquela região. Segundo QUEIROZ, “Vivia de esmolas[...} além de pregar e de fazer realizar novenas e procissões, construía capelas, reparava muros de cemitérios. [...] crescia-lhe a fama de maneira desmendida e, a sua chegada em qualquer burgo, movimentava-se toda a redondeza para vê-lo, ouvi-lo, consultá-lo (1977, p.225).


Porém no imaginário nacional sobreviveu o Conselheiro concebido por Euclides Da Cunha na sua obra “Os Sertões”: “gnostico bronco”, “paranóico”, “anacoreta sombrio”, “ monstruoso”, “ errante”, “esquálido”, “insano”, “asceta”, “de aspecto repugnante”, “de uma oratória bárbara e arrepiadora”, “truanesco e pavoroso” e “grande homem pelo avesso”. O Conselheiro que realmente existiu, desejado pela população sertaneja, missionário e aglutinador foi destruído para atender aos desejos da classe dominante.


Poderíamos conhecer mais de Canudos. O exercito brasileiro, vencedor de uma guerra vergonhosa, sem medalhas, monumentos ou heróis, infelizmente destruiu todos os “documentos vivos” com a sua prática de degolas. Segundo Negrão (2005) “ A própria atitude do Exercito Brasileiro, que não contente em destruir Canudos, empenhou-se na destruição de sua memória”. Figura Como Antonio Beatinho se poupado da velha prática de eliminação de prisioneiros, teria feito um grande registro do povo de Belo Monte.


Diversos pesquisadores nas últimas décadas, e entre eles podemos citar José Calasãs, Robert Levine, Ataliba Nogueira, Douglas Teixeira, e Maria Isaura Pereira de Queiroz lançaram luz sobre o movimento de Canudos e seu líder. Sobre o Conselheiro comenta MONTEIRO:


“Tempestades que se Levantam no Coração de Maria por Ocasião do Mistério da Anunciação – esse é o título barroco da coletânea de sermões, em sua versão manuscrita. A primeira coisa a observar é o desmedido cabal que traz às palavras de Euclides.[...]Da leitura dos sermões, o que surge, entretanto, é a figura de um sertanejo letrado, capaz de exprimir-se correta e claramente na defesa de suas concepções políticas e sociais, e de suas crenças religiosas”(1997, p. 65)


Longe de “uma oratória bárbara e arrepiadora” descrita por Cunha, suas pregações ou prédicas eram o ponto de aglutinação da população e, portanto eram consistente. Logo, era a sua mensagem que atraia a multidão e não os milagres, que neste caso parecem nem ter ocorridos. Tanto Monteiro quanto Cunha concorda que os milagres não foram os fatores de formação do movimento. Ora neste caso pode-se deduzir que Antonio Conselheiro teria sido menos místico que o seu contemporâneo de Juazeiro, o Padre Cícero.


Cunha por sua vez, viu a cidade de Canudos como “urbs monstruosa de barro” devido ao aspecto urbano ali identificado. O local que possuia mais de cinco mil casas segundo contagem do exercito e poderia ter chegado a uma população de mais de vinte mil habitantes fora formada em menos de cinco anos. Logo, os “casebres feitos ao acaso” “ feitos de pau-a-pique e dividas em dois ou três compartimentos poderia causar estranheza ao jornalistas do “O Estado de São Paulo”, mas não a população sertaneja, que durante séculos construiu e habitou naquele tipo de habitação, bem típico de um povo exclusivamente rural. A própria desorganização das ruas se não foi proposital, demonstrou grande eficiência durante a guerra servindo de trincheiras e impedindo que o exercito entrasse de ali forma organizada.


A população ali residente, longe de ser um esconderijo de jagunços e fanáticos, era composta por grupos familiares. A típica casa de três cômodos descrita por Cunha corrobora com essa idéia. Segundo Euclides, Queiroz e relatos de época era ver famílias inteiras seguindo para Canudos, deixando grandes áreas totalmente desertas. E que um bom número possuía alguma posse e outros para os padrões sertanejos eram considerados ricos, vendiam tudo ou seguiam com suas posses para seguir Conselheiro( Queiroz, 1977, p.230)


Havia um comércio desenvolvido e próspero entre os habitantes de Canudos e com as cidades vizinhas. Padres disputavam o domínio de Canudos pois os casamentos e batizados ali realizados davam muito lucros fabulosos. Até os políticos vinham ou escreviam ao Conselheiro pedindo apoio nas eleições. Conselheiro por sua vez contava com a simpatia de vários políticos, sendo até mesmo defendido por deputados estaduais em Salvador. O Governador da época Luiz Viana, natural de Casa Nova e portanto um sertanejo nato, era tido como forte aliado do povo de Canudos (Montenegro apud. Queiroz,1977, p. 238-39).


Mas a comunidade foi destruída totalmente em outubro de 1897. Nos anos sessenta a construção de uma barragem tentou apagar o que restava da memória. Mas na memória dos sobreviventes ficou a lembrança dos “tempos áureos do Belo Monte’, tempo de fartura do “tempo de Conselheiro” quando “havia de tudo[...] dava de tudo e até cana-de-açúcar de se descascar com a unha nascia bonitona por estes lados. Legumes em abundancia e chuvas à vontade [...] Esse tempo parece mentira [...] hoje, ...as secas assolando tudo, o terreno de Canudos não dando para nada (TAVARES apud. Queiroz, idem, p.241).


Percebe-se que o principal anseio de Canudos foi a instalação de uma Terra Prometida nos sertões baiano. Local de fartura, com “rios de leite” e “barrancos de cuscuz”. Expressões não literais, mas apenas prefigurando uma “época de ouro” sobre a proteção do Santo Antonio conselheiro, longe das injustiças sociais e desigualdades que ali seriam superadas.

19 fevereiro, 2009

Série Movimentos Messiânicos no Semi-Árido Nordestino
O Reino Encantado ou Pedra Bonita

Pode-se afirmar que este foi o mais trágico e o mais sebastianista dos movimentos messiânicos ocorridos no semi-árido nordestino.A fonte mais pesquisada e a registrar o movimento é o livro intitulado “Memória Sobre a Pedra Bonita ou reino Encantado na comarca DE VILA Bela, Província de Pernambuco”, publicada em 1875 por Antonio Atico de Souza Leite,.


Em 1836, segundo QUEIRÓZ, “ apareceu na comarca de Flores [...] um mameluco de nome João Antonio dos Santos, pregando que D. Sebastião estava prestes a desencantar trazendo riquezas que distribuiria entre seus adeptos” (1977).


Percorrendo a área correspondente do Pajeú em Pernambuco, Cariri, no ceará e a região do São Francisco, atraiu um grande número de seguidores. Porém receosos pelo andamento do movimento, foi enviado pela igreja e pelas autoridades um missionário e o mesmo com êxito conseguiu temporariamente dispensar o grupo.


Dois anos depois surge a figura de João Ferreira. Cunhado do antigo líder, retoma a pregação, além de indicar o local exato da futura aparição de D. Sebastião juntamente com toda a sua corte. Em determinado lugar, onde atualmente localiza-se o município de São José do Belmonte” erguem-se paralelamente, duas enorme pirâmides de pedra comum, como dois minaretes, [...] Uma delas ligeiramente mais alta, mostrava coberta, da metade para cima de pingos prateados [...] daí o nome Pedra Bonita(VALENTE, 1986, p. 54). Proclamando-se rei, João Ferreira consegue reunir em torno de si um grupo de mais ou menos trezentas pessoas, que devido as péssimas condições de vida , o procuravam no desejo de entrando no movimento possuir riquezas.


O reino de Pedra Bonita caracterizou-se pela forma como deveria alcançar o reino ou aa terra prometida. Enquanto que os movimentos que o sucederam entendiam que a terra prometida já tinha sido alcançada ou que podia ser pelo trabalho na terra, os seguidores do Reino Encantado acreditavam que era necessário um grande sacrifício, para que as duas torres fossem literalmentes lavadas de sangue. Quem voluntariamente se submetesse ao sacrifício receberia grandes recompensas no Advento de D. Sebastião. “Se eram pretas voltavam alvas como a luz [...] se velhas, vinham moças, e da mesma forma ricas, poderosas e imortais’ (QUEIRÓS, apud. Atico, 1977).


Diferenciava-se também pelo uso de um alucinógeno, mistura de jurema e manacá aprendido com os indígenas, porém bastante usado na época pela população sertaneja, e também pelo total afastamento da igreja oficial. Segundo os relatos toda moça que casasse no arraial deveria passar a primeira noite com o rei e só na manhã seguinte era entregue ao marido.


Em 14 de maio de 1836 teve início a parte mais sangrenta do movimento. Após discurso de João Ferreira e sobre o efeito dos alucinógenos tem-se inicio os sacrifícios. Pessoas foram, no inicio, sacrificadas voluntariamente. Momentos depois eram entregues crianças pelos pais, enquanto que outros eram sacrificados a força. “No fim do terceiro dia, as bases das duas torres tinham sidos regadas com sangue de trinta crianças, doze homens, onze mulheres e catorze cães”(idem, p. 224). Entre os mortos estava o próprio João Ferreira, sacrificado contra a sua vontade, devido a um “visão” onde D. Sebastião exigia o sacrifício do mesmo. Pedro Antonio responsável pela visão tomou o seu lugar.


Um vaqueiro que morava em Vila Bela, atual Serra Talhada, conseguiu fugir dos sacrifícios de Pedra Bonita relatando o fato ao fazendeiro Manuel Pereira da Silva que era também o comissário de polícia daquela localidade. Certo contingente foi formado para dissolver o movimento.


Em Pedra Bonita, devido a decomposição dos corpos, tornara-se o lugar insurpotável. Os sobreviventes partiram para um local mais distantes, enquanto aguardavam a qualquer momento o aparecimento do rei português. Enquanto iam em procissão, encontraram a tropa policial. Acreditando” que neste momento apareceria o exercito de D. Sebastião para salvá-los. Armados de paus e facas, enfrentaram a força policial” (VALENTE, 1986, p. 62).
Houve um grande massacre. Alguns conseguiram escapar. Os prisioneiros receberam tratamentos diferenciados; os homens foram recolhido ao presídio enquanto que as mulheres foram soltas.

21 novembro, 2006


MANDIOCA E A PRODUÇÃO DE FARINHA DA SERRA
ALDO VASCONCELOS
Nos terrenos arenosos do sertão é plantada a mandioca e da sua raiz, altamente venenosa, é produzido da farinha ao beiju. Devido a sua textura ou misturas, esses alimentos recebem diversos nomes pelo país afora. Quem chega a esta região tem a impressão que todo esse processo teve origem com o advento da população européia que ali se fixou a partir do século XVI. Entretanto, ele terá uma surpresa ao descobrir que os primeiros moradores da terra - os índios - já dominavam a cultura da mandioca e a técnica da produção de farinha e seus derivados. Essa cultura sempre se caracterizou pelo baixo impacto ambiental, visto que a mesma por ser nativa era apenas aproveitada pelos indígenas para consumo. Em todas as comunidades indígenas, esta era uma prática agrícola - quando não a única – a comum, a base de sua alimentação. Envolvia principalmente as mulheres desde o plantio até a produção da farinha. Aos homens, cabiam-lhes o transporte da mandioca ao local onde seria produzido o produto. Freire cita o antigo cronista Gabriel Soares que afirmava:

“depois de lavadas, ralam-nos em uma pedra ou ralo que para isso tem, depois de bem raladas, espremem essa maça em um engenho de palma a que chamam de tipiti que faz lançar a água que tem toda fora, e fica essa massa enxuta, da qual se faz a farinha que se come, que cozem em um alguidar para isso feito, em o qual deitam esta maça e a enxugam sobre o fogo onde uma índia mexe com um meio cabaço, como quem faz confeitos, até que fica enxuta, e sem nenhuma umidade, e fiz como cuscuz; mas mais branca, desta maneira se come, é muito doce e saborosa.”[2004:190]

Os portugueses que aqui chegaram e se fixaram, grandes consumidores de farinha de trigo, cevada e centeio, descobriram que as terras dos trópicos eram inapropriadas para este tipo de cultura. De imediato, adotaram a farinha do indígena como a nova base alimentar. Freire cita que:

A farinha de mandioca adotaram-na os colonos em lugar do pão de trigo; preferindo os proprietários rurais a fresca, feita todos os dias a cerca do que diz Gabriel Soares: “ e ainda digo que a mandioca é mais sadia e proveitosa que o bom trigo por ser de melhor digestão. E por se averiguar por tal, os governadores Thomé de Sousa, D. Duarte e Mem de Sá não comiam no Brasil pão de trigo por se não acharem bem elle, e assim o fazem outras muitas pessoas.”[2004:190-191]

E durante todo o período colonial, império e república, a farinha esteve sempre presente na mesa do povo brasileiro, chegou até mesmo a representar riqueza durante o império, onde alguém só poderia ser candidato a cargo político se comprovasse possuir o equivalente em cuias de farinha uma unidade de medida ainda usada em muitas partes de Brasil e com bastante variação de peso.

No município de Jatobá, estado de Pernambuco, moradores de duas comunidades se destacam pela preservação de sua cultura: Camaratu e Logradouro, as quais estão localizadas ao norte do município. Em meados da década de 80 (século passado), esses moradores povoavam as comunidades conhecidas como Icó e Quixaba, hoje debaixo das águas do São Francisco. Algumas das características dessas comunidades que mais nos impressionam é que todos possuem entre si (com raras exceções) algum grau de parentesco, pois estiveram bastante isolados por quase um século, principalmente entre a geração anterior aos anos noventa, possuindo assim características físicas que os distinguem de outros grupos; Destacam-se pela produção de produtos de palha de ouricuri, palmeira abundante na Serra Grande, ficando o povoado na base desta montanha, também conhecida como Serra da Paz por estar grafada nela o nome PAZ desde o início das obras da construção da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga; Possuem uma forte religiosidade católica, possuindo diversas rezadeiras e um grupo de penitentes, ordem religiosa leiga com forte influência das ordens medievais; Também a produção agrícola da mandioca para produção de “farinha da serra” nome usado para denominar um tipo de farinha, mais antiga, que possui mais goma e mais fibra, e que com o tempo passa a adquirir um gosto de certo modo azedo, mas as pessoas a usam assim mesmo. Goma é a denominação dada na maioria das localidades sertanejas para o amido de mandioca com a qual os sertanejos fabricam mingaus, biscoitos, tapiocas, entre outros alimentos.

Com o domínio comercial do tipo de farinha denominada sergipana, as farinhas da serra praticamente deixaram de ser produzidas para a venda. Passou-se a ser produzida basicamente para o consumo das famílias, que vendem apenas a goma nas feiras livres da região.

Mas as famosas farinhadas ainda sobrevivem em toda região sertaneja. No período que finaliza o inverno e antecede as trovoadas, famílias inteiras se reúnem nas casas de farinha para produzir o antigo alimento tão comum na mesa do sertanejo. Os homens arrancam as raízes nos roçados e transportam-nas em lombos de jumento ou carros de bois, onde as mulheres se encarregam da “raspa” do produto. Após isso, o produto será esmagado, retirado a goma e a manipueira, veneno perigosíssimo. A farinha será produzida sem que antes se produzam os beijus, um tipo de tapioca mais grossa, com bastante coco, mais primitiva, porém de sabor inigualável, uma iguaria de fino apreço dos sertanejos. É costume de o patriarca cevar um porco, carneiro ou bode para ser consumido pela turma do mutirão ou batalhão, termo também usado na região, e claro que também não pode faltar a costumeira pinga. Amigos, parentes e compadres vêm auxiliar a família, e toda a alimentação será feita ali. É uma festa que dura mais de oito dias, quando uma outra família ocupará o local para a produção do seu alimento. Começará então uma nova farinhada, que juntando todos os grupos, pode durar até dois meses, ininterruptamente, sempre embaladas à batida e ao som das músicas tradicionais, os benditos e “incelenças’ que são cantadas pelas mulheres. E, ao final, todos se sentem satisfeitos, pois além de comungarem seus costumes e desejos coletivos, todos terão farinha e goma para enfrentar a estiagem, período mais crítico nas paisagens do Sertão.